Um Grande Perigo e Uma Grande Tentação

Os dias que correm poderão muito bem significar uma era sem precedentes – do caos e catástrofe. Caminhamos para uma segunda grande crise no pequeno espaço de 10 anos, podendo esta ser o capítulo final do modelo social e económico que conhecemos nos últimos 150 anos.

O país, perdido em discussões folclóricas sobre desfiles do 25 de Abril, e o mundo, arrebatado pelo pânico pandémico, não estão a ser eficazes na criação da narrativa (ou no mínimo da preparação da mesma) que irá proteger as suas instituições do flagelo que seguirá a estes tempos: a inflação.

A subida generalizada (e galopante) dos preços configura-se como o maior desafio a enfrentar no contexto da saída desta crise sanitária. Isto é, de forma a mitigar os efeitos económicos dos lockdowns mundiais, os governos e bancos centrais de todos os continentes preparam pacotes de estímulo e de apoio financeiro que, apesar do apoio substancial nesta primeira fase, criaram uma massa monetária sem precedentes. Aliás, essa criação é consubstanciada pelos níveis recorde da liquidez (principalmente americana e europeia), bem como pelo já elevado aumento dos índices de preço dos produtores. Dito isto -consciente da análise simplista inerente a uma rúbrica destas – o consenso sobre estas causas e sintomas já existe entre os técnicos superiores das instituições financeiras e monetárias – para lá da desvalorização irritante de Lagarde em sede da última grande reunião do BCE.

Como se não bastasse, faltará ainda acrescentar a este cocktail letal uma pequena porção de estupidez humana, exponencialmente catalisada pela estupidez política. Sim, as comunidades políticas organizadas por este mundo cometerão grandes erros nos tempos de resposta à crise que surge no horizonte – como sempre acabaram por cometer.

Aliás, a classe política (executivo ou oposição), na sua constante necessidade de curto prazo condicente com ciclos políticos, irá enveredar por um caminho de desglobalização – sendo casos paradigmáticos o americano e o europeu. Na verdade, o caminho para o protecionismo já era discurso de muitas bocas, mas as estruturas mundiais ainda não lhes permitiam plena implementação. No entanto, a pandemia poderá muito bem constituir uma validação dessas teses, tornando necessário o apelo a menos integração tanto por razões políticas e sanitárias como económicas (proteger empregos nacionais, consumir produtos nacionais, “o que é nacional é que é bom é” – e muito mais jargões parecidos com este).

Ora, o encapsulamento de oportunidades externas poderá parecer tentador e provavelmente granjeará de apoio popular, mas a história (bem como a lógica económica) prova que o contrário se prefigura como a resposta a dar. Também noutras eras, o poder político (e sua red tape) se arreigaram em culpar agentes exteriores, movendo assim a esfera de culpas para fora das fronteiras. No entanto, e apesar de ter sido essa direção política inicial, a fome de 1840, a depressão de 1929 e a estagflação de 1973 só se resolveram verdadeiramente com mais integração, com mais comércio e com mais globalização.

Estes exemplos viram na abertura do comércio uma possibilidade de baixar preços e, desse modo, combater a inflação galopante. No entanto, os sinais que temos vindo a receber são os contrários – ao que parece será mais aceitável pagar 5€ pelo par de meias produzida no Minho do que 20 cêntimos pela dúzia produzida em Xinjiang – e não poderemos cair de modo algum neste engodo, nesta tentação, neste grande perigo. Porém, falará, pensará ou preparará o país político este cenário? Estaremos munidos de respostas ou estaremos preparados, sequer, para combater uma outra visão do estado de coisas? Não. O Twitter da bolha, que alimenta os partidos e o governo nas decisões e estratégias, não tem caracteres suficientes para este debate e, na verdade, menos interesse tem ainda.

Portugal Em 20 Anos

Partilho aqui uma imagem muito interesante da Pordata sobre um retrato de Portugal em 1999 e outro em 2018. Entre os factos apresentados, destaco o seguinte:

  1. O número de idosos por cada 100 jovems aumentou de 96 para 157 (um aumento de mais de 60% em 20 anos); e a tendência será para este rácio aumentar no curto-médio prazo (ver a pirâmide demográfica).
  2. O número de pensionistas em % da população passou de 33% para 40%; e a tendência será para aumentar no curto-médio prazo (ver abaixo a pirâmide demográfica).
  3. A taxa de desemprego registada em 2018 era 2,6% maior do que a taxa de desemprego que se registava em 1999.
  4. A dívida pública em % do PIB passou de 55% para 122% – tendo mais do que duplicado neste período.
  5. O crescimento económico registado no período de 20 anos é de apenas 16%, o que equivale a um crescimento anual nestes 20 anos de uns míseros 0,75% ao ano.

Para complementar o quadro acima, coloco a pirâmide demográfica da população Portuguesa retirada daqui, e cuja forma faz lembrar tudo menos uma pirâmide. Um simples olhar para o gráfico faz com que uma pessoa se aperceba dos enormes desafios com que nos teremos que deparar no curto-médio prazo.

Outras razões para termos de meter mais 4 mil milhões na Caixa Geral de Depósitos


Há 4 anos herdei uma dívida de €250.000 à CGD. Há 4 anos que a CGD não recebe um tostão dessa dívida. Há 4 anos que tento resolver este assunto com a CGD. Há 4 anos que nada acontece.

Ou seja, não precisamos de entrar na estratosfera dos empréstimos de centenas de milhões sancionados politicamente para perceber como é que a CGD chegou aqui e as vantagens (para alguns) de se ser dono de um banco público: a conta pode ser dividida por 10 milhões e ninguém precisa de resolver nada porque ninguém pode ser, nem precisa de ser, responsabilizado por nada.

Como é que esta minha dívida aparece?

Com um empréstimo a uma empresa sem actividade mas com sócios em comum com outras empresas que, essas sim, tinham actividade (mas não dinheiro). Com um empréstimo feito a contar que o património pessoal dos sócios poderia responder por um incumprimento, sem que a CGD se preocupasse em perceber se seria realmente assim (não era). Com um empréstimo contra garantias reais que, como era prática comum, foram valorizadas no que era preciso para ser possível financiar os montantes pedidos em vez de se ajustar o montante do financiamento ao valor das garantias (não funciona).

Como é que esta minha dívida ainda existe?

Boa pergunta. É certo que havendo uma fonte sempre disponível de capital, aparentemente não há grandes limites para o número de buracos deste tipo que é possível cavar dentro de um mesmo banco. Mas deveria haver limites para a falta de capacidade administrativa em lidar com milhares de processos idênticos quando há centenas de funcionários e prestadores de serviços em departamentos de recuperação de crédito e de contencioso. Deveria haver limites para a inércia dos serviços de um banco que não responde a ninguém, especialmente quando os clientes se disponibilizam repetidamente para tentar resolver a situação. Deveria até haver limites para a criatividade contabilística que permite adiar, transferir, evitar tudo e mais alguma coisa, quando ao fim de 4 anos todas as imparidades já foram (ou deviam ter sido) reconhecidas e provisionadas. Pelos vistos não há. Prova disso é que, ao fim de 4 anos, a CGD nem as garantias reais foi capaz de executar. E acreditem que há algo de muito errado quando a melhor esperança que alguém tem de resolver um problema com um banco é por via de uma execução.

Podemos argumentar que estes empréstimos que não cumprem os mínimos são o custo de se fazer negócios num país do terceiro mundo. Se os bancos não se adaptassem à trampa do micro, pequeno e médio tecido empresarial que temos não conseguiriam emprestar dinheiro a ninguém. Se os bancos públicos não se adaptassem à política que temos não seriam bancos públicos.

Também podia estar aqui contente por estarem 10 milhões de portugueses a pagar o que eu não consigo pagar. Mas não estou. Não estou porque vou acabar por pagar duplamente: como contribuinte, por mais um aumento de capital, como devedor da CGD, por anos de absoluta indolência na gestão do meu processo que me sairão do bolso com juros, custas e honorários.

Outros empréstimos, grandes e pequenos, serão feitos à toa. Outros “serviços públicos bancários” serão prestados. Outros aumentos de capital virão. Pelo menos enquanto a CGD for pública. Neste cenário, eu já só peço que alguém da CGD me ligue ou que vendam o meu crédito a quem tenha de trabalhar para pagar contas. O que eu dispenso, como contribuinte e devedor da CGD, são os trostkistas providenciais que me garantem que desta vez é que é, desta vez é que a CGD vai transformar-se, também ela, numa vaca com asas.

Como conciliar turismo e habitação

A propósito do debate intitulado “Quem vai poder morar em Lisboa?” que ocorreu anteontem (um relato completo e fidedigno do evento), gostaria de aproveitar para fazer alguns comentários ao discurso das pessoas como as que estavam neste evento e que agora andam a sair dos buracos, transbordantes de indignação, a queixarem-se da expulsão por turistas de residentes do centro histórico de Lisboa.

Em primeiro lugar, o enquadramento do debate está completamente errado, o que explicará (espera-se) muitas das barbaridades que se têm dito. Por exemplo, de acordo com os Censos, entre 1991 e 2011, as 12 freguesias que agora fazem parte da freguesia de Santa Maria Maior, onde fica o centro histórico da cidade (a zona do Castelo, Alfama e Baixa), perderam 40% da sua população residente. A tese agora é que uma lei de 2012 (lei das rendas) e outra de 2014 (alojamento local) são responsáveis pelo “processo de saída dos bairros históricos”. O problema é que essa saída se deu nas décadas que antecederam a entrada em vigor desses dois diplomas e não desde então. Aparentemente desde 2012/2014 o que se passa é precisamente o contrário: toda a gente quer voltar para o centro histórico e o centro histórico não consegue acomodar essa ânsia. Ou seja, o problema é outro que não a tal “sangria que é preciso estancar” porque essa, pelos vistos, já foi estancada.

Em segundo lugar, se há coisa que é evidente é que estas pessoas não estão preocupadas com o preço da habitação em Lisboa. Se fossem sensíveis ao preço, e não ao facto do centro histórico ser uma estrumeira, ter-se-iam mudado para lá antes de 2011, quando os bancos emprestavam dinheiro a toda a gente e as casas eram baratas porque ninguém as queria. Estas pessoas estão, isso sim, em negação por aparentemente terem descoberto que o Pai Natal afinal não existe e que, assim, não vão encontrar uma casa no Chiado (de 2016) no sapatinho em Dezembro.

Neste estado de negação, há sempre a tentação de tentar clonar parcialmente o Pai Natal recorrendo a uma teia judiciosamente urdida de proibições, suspensões, limitações, taxações e redistribuições (consulte-se a última página do documento que serviu de base ao dito debate, por exemplo). Essa teia garantiria que nenhum turista que não fosse bonito, culto e bem cheiroso se aproximasse da “nossa” Lisboa e que nenhum estrangeiro compraria ou arrendaria uma casa no centro de Lisboa, pelo menos enquanto existissem portugueses refugiados num qualquer outro bairro da cidade ou, imagine-se, num concelho limítrofe. Urge repor a autenticidade dos bairros históricos importando residentes de nacionalidade portuguesa criteriosamente seleccionados de acordo com os mais altos padrões de progressismo social, garantindo assim que não haveria qualquer confusão entre esse jardim zoológico e a Disneyland em que Lisboa se está a transformar.

No mínimo, veríamos finalmente assegurado o nosso “direito democrático à habitação”, em que poderíamos viver onde queremos, pagando o que é “justo”, porque a realidade teria sido revogada e o Chiado (de 2016) seria de todos. Só fiquei espantado por ninguém ter pensado nos quartos adicionais que íamos precisar de “prever na legislação” para receber sírios e outros desvalidos. Talvez até para receber portugueses que não conseguissem aceder ao direito adquirido a viver no Chiado (de 2016) mas cujo direito ao direito adquirido não pode ser negado. Presumo que essa proposta de revisão constitucional vá ser incluída na agenda da próxima reunião.

Esta pulsão reaccionária de progressistas encartados e auto-intitulados cosmopolitas contra gente que não é como nós e que nos quer roubar as casas e a alma também se alastrou ao painel de convidados do debate, dignos representantes dos “especialistas” que por aí andam a discorrer sobre este assunto.

O que nos leva ao terceiro aspecto que é importante realçar: andamos à procura de soluções no sítio errado.

Apesar de o painel incluir economistas, geógrafos, urbanistas (um dos urbanistas, em bom rigor, era um engenheiro florestal com uma paixão pelo sistema financeiro, mas não sejamos niquentos) e arquitectos discutiu-se precariedade, offshores, conspirações internacionais, desigualdade, os méritos do Chavismo, e o facto de tudo isto ser culpa das bestas dos políticos, algo que só pode ser resolvido mandatando as bestas dos políticos para resolver a situação, dando-lhes ordens expressas para, desta vez, serem bonzinhos e, sobretudo, ignorarem a dissonância cognitiva dos mandantes.

Pelos vistos não passou pela cabeça de nenhum dos painelistas/especialistas recorrer a coisas que eventualmente conhecem, como a lei da oferta e da procura ou até a políticas de urbanismo, para analisar este alegado aumento “exponencial” dos preços da habitação em Lisboa. Se o tivessem feito, talvez tivessem chegado à conclusão muito simples de que se os preços das casas sobem é porque – prepararem-se – há mais procura do que oferta.

Se assim é, em vez de olharmos para o turismo como se fossemos uns miseráveis a quem sai o Euromilhões e que devolvem o prémio, preferindo continuar na miséria porque não sabem o que fazer com o dinheiro, devíamos estar a tentar descobrir como é que conseguimos continuar a ter cá turistas a darem-nos dezenas de milhares de milhões de euros todos os anos E (e não OU) termos preços de habitação relativamente estáveis. Ou seja, devíamos tentar descobrir como é que se aumenta a oferta de habitação em Lisboa, se é que isso não está já a acontecer.

Se formos ao INE e olharmos para a evolução dos fogos concluídos em construção nova (que representarão cerca de 60%-65% do total de fogos concluídos) na Área Metropolitana de Lisboa nos últimos 12 anos, podemos ver que no final do ano passado estávamos no nível mais baixo de todo esse período.

Fogos Concluídos

Olhando para o licenciamento de edifícios para percebermos se a situação se irá alterar num futuro relativamente próximo, podemos ver que, também aqui, estamos em níveis historicamente baixos.

Edificios Licenciados

Olhando finalmente para os fogos licenciados vemos uma tendência ligeira de recuperação desde o final de 2014/início de 2015 mas ainda assim muito abaixo dos níveis pré-crise.

Fogos Licenciados

Tendo isto em conta, devíamos estar a tentar perceber porque razão a oferta de habitação não se ajusta a um aumento da procura, ainda para mais a um aumento de procura com a expressão que este supostamente tem e que, ainda por cima, já começou há vários anos.

Das duas, uma: ou os malandros dos construtores, promotores imobiliários e bancos preferem continuar falidos em vez de se porem a ganhar dinheiro com esta massa de gente desesperada por um cantinho em Alfama, ou então temos um problema mais de fundo nas políticas de urbanismo e seria precisamente por aí que devíamos começar.

Até porque, se fizermos algumas contas veríamos que, por exemplo, o Alojamento Local representa, quanto muito, 2%-3% das 324.000 casas que existiam em Lisboa em 2011. Desde essa altura, e apesar da crise, em toda a Área Metropolitana de Lisboa já terão sido construídas/reabilitadas mais 10.000-15.000. Ou seja, se é realmente o Alojamento Local que está a estragar a vida a quem quer desesperadamente viver no centro da cidade, deveria ser relativamente fácil corrigir esse problema sem o transformarmos numa espécie de kolkhoz urbano. Li algures que é um modelo que não funciona. Por exemplo, em Berlim, medidas restritivas que à primeira vista pareciam ter resolvido o problema do aumento dos preços dos arrendamentos, passados uns meses afinal já não estavam a funcionar.

O que não devíamos fazer era usar argumentos, vá, estéticos para justificar, essas sim, verdadeiras políticas de empobrecimento. Especialmente quando esses argumentos estéticos são usados de forma pueril por pessoas que têm dificuldade em aceitar que, chegados a adultos, temos de fazer escolhas, abdicar de algumas coisas para termos acesso a outras, que não podemos ser todos acima da média, que não podemos ser todos ricos, e coisas assim.

Sendo que o único bem verdadeiramente finito (e escasso) que está envolvido em toda esta discussão são os metros quadrados no centro da cidade, o que devíamos estar a discutir era como é que conseguimos fazer mais com cada um desses metros quadrados. Mais, neste caso, significa:

  1. Reduzir o tempo que se leva a construir ou reabilitar em cada um desses metros quadrados;
  2. Reduzir os custos impostos por lei do que se constrói ou reabilita em cada um desses metros quadrados e que depois acabam a ser pagos por quem compra/arrenda;
  3. Construir mais em cada um desses metros quadrados, ou seja, construir mais em altura;
  4. Flexibilizar alterações de utilização dos espaços;

Se acham que tudo está feito nestas matérias, tenho algumas expressões que gostaria de pôr em cima da mesa: qualificação do espaço urbano, sistema de vistas, condicionantes de infraestruturas, servidões administrativas, restrições de utilidade pública, etc. Podia juntar outras como Regulamento Geral das Edificações Urbanas, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Regime Legal de Acessibilidades, Regulamento dos Requisitos Acústicos dos Edifícios, Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação, regulamentos sobre instalações de gás, eléctricas e infraestruturas de telecomunicações, normas de segurança estrutural, normas de gestão dos resíduos de construção e demolição; etc.

Tudo isto é exigido a quem quer construir habitação em Lisboa. Na prática, a tal teia de proibições, suspensões, limitações, taxações e redistribuições que nos querem impingir já existe. Talvez fosse altura de tentar outro caminho.

Em todas estas vertentes há bons (e muitos e muito maus) argumentos para termos as leis e os entraves que temos a um aumento da oferta de habitação que acompanhe razoavelmente o aumento da procura. Mas se queremos de facto tentar fazer alguma coisa para aumentar o número de casas no mercado e contrariar o aumento de preços é por aqui que temos de ir. 

Como mentir com estatística

Este é um exercício aplicado de como mentir com estatística. A tentativa vem de um dos últimos redutos do keynesianismo, o blogue “Naked Keynesianism”, e o objectivo era provar que não existe uma correlação entre défices orçamentais e taxas de juro das obrigações do tesouro norte-americano, ou seja, por esta forma mostrar que a política orçamental do Governo não afecta a percepção de risco por parte dos investidores. E, claro, para gáudio dessa indígena teoria económica apregoada por João Galamba, que prontamente partilhou o artigo no Twitter.

Para o fazer, o autor recorre ao seguinte gráfico:

Screen Shot 2015-02-12 at 21.42.21A regressão linear parece sugerir uma correlação perto de zero. Mas um olhar mais atento nota que em 52 pontos existem quatro claros outliers. Coincidentemente, ou não, esses quatro outliers alteram por completo a correlação. A versão corrigida sem esses outliers:

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Parece que ainda não é desta, João Galamba. Há que escavar um pouco mais para encontrar evidência de que a política orçamental e o seu potencial risco na sustentabilidade da dívida pública não são ponderados pelos investidores. Por outras palavras, que quem empresta dinheiro não considera se quem o recebe o vai poder pagar de volta nos termos acordados. Precisamente o que tem acontecido aos juros da Grécia desde que o Syriza começou a descolar nas sondagens, já agora.

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O Nobel da Economia

Como eu dizia aqui a única coisa certa acerca das previsões para os Nobel é que costumam falhar espectacularmente. O vencedor do Nobel da Economia foi Jean Tirole.

Entretanto descobri que Tirole tinha sido uma das apostas do Pedro Pita Barros que parece ter batido toda a gente. Neste post faz um pequeno resumo dos trabalhos dele.

ADENDA: Leiam os comentários de Alex Tabarrok e Tyler Cowen no Marginal Revolution.

O mundo da (nossa) dívida de hoje

Para o quadro mental de todos os que antes escreveram sobre a dívida e sobre os manifestos, convirá recordar a realidade do mundo e realidade econômica mundial em que Portugal se insere.

Não se trata apenas de relembrar o exemplo do Japão que tem um rácio de dívida sobre PIB com números brutais. A maioria dos países da OCDE, e talvez a totalidade deles, viu esta medida de endividamento de um país aumentar, e de forma generosa ao longo dos últimos 5-10 anos. Os EUA, o Reino Unido, a Franca e qualquer um dos países ditos desenvolvidos tem assente o combate a crise num relaxamento monetário (taxas de juro baixas e algum grau de QE), e num crescimentos do stock de dívida, permitida pelos tomadores da mesma: uns domésticos (com mais peso no caso Italiano e Japonês) e outros internacionais (caso notório dos EUA).

O mundo, dito ocidental, procedeu a uma massiva transferência de riqueza ao longo destes 10 anos, na prática com a liberalização do comércio internacional, para os países produtores de petróleo e para os ditos países emergentes, com a China a cabeça. Este movimento, só tem equivalente inverso, quando os ditos países , há séculos atrás, procederam a uma extração de riqueza de muitos países da América Latina, de África e de algumas, poucas, possessões asiáticas.

Neste contexto, concreto, em que Portugal se insere, a situação da sustentabilidade da dívida e do seu , ou não , pagamento, é tão verdadeira, e tão real como para muitos outros países. Portugal sendo um caso especial, por ser um caso em que o stock de dívida privada e pública, subtraída de riqueza acumulada interna é das mais altas do mundo ocidental, é também ainda assim , não tão diferente de muitos casos que não acabaram no passado, nem em reestruturação, nem em “default”. Porquê?

E a pergunta concreta que nós teremos que fazer, é : haverá tomadores “ad-eternum” da nossa dívida ?

É necessário entender a resposta a esta questão , à luz da enorme quantidade de alternativas, semelhantes em muitos detalhes, de emissões de dívida com que Portugal concorre em cada momento nos mercados internacionais. Todas elas com um capital acumulado de credibilidade e de história carregada de inexistência de discussão acerca de “default” na sua opinião interna.

E a resposta , do meu ponto de vista , é a de que haverá compradores e tomadores , para além das instituições oficiais , desde que haja demonstrações práticas, concretas e explícitas de que somos bons pagadores, que honramos compromissos e que tudo fazemos, para criar as tais condições de crescimentos por que muitos clamavam e que parecem estar a materializar-se neste início de 2014.

Se como o Manifesto dos 70 advoga, fossemos renegociar a dívida de forma “honrada” , esse capital de confiança acumulada com o esforço de muitos e com os impostos de alguns portugueses, a resposta à questão colocada acima passaria a ser negativa! E isso afectaria a actual e as futuras gerações da mesma forma que marcou o nosso “default” do fim do século XIX.

Em Portugal temos uma boa definição para os que não pagam o que devem, queremos receber esse epíteto colectivamente?

Mais Imprevisões

Já dizia o Niels Bohr que “É difícil fazer previsões, sobretudo sobre o futuro”. O que acho preocupante é que em intervalos de tempo tão curtos, as previsões estejam sistematicamente a ser ajustadas por várias entidades – Governo, Banco de Portugal, Troika, OCDE e União Europeia – sempre na pior direcção, o que leva a crer que ainda possam ser actualizadas brevemente para valores ainda piores.

Previsoes

Pessoalmente, já não atribuo credibilidade praticamente nenhuma tanto às previsões dos indicadores económicos como às metas do défice e da dívida pública. Aparentemente é sempre possível conceder mais tempo e adiar as reformas inadiáveis. O dinheiro para pagar as contas, esse pequeno pormenor, há de surgir por milagre – a constituição portuguesa é capaz de conter uma fórmula mágica algures por entre os seus 296 artigos.

Fontes: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 (a, b) e 11 (a, b).

A Factura (a sua)

Estou certo de que, neste momento, você já se indignou  com os “fiscais da factura”. Já arremessou o comando ao televisor, já se juntou ao tal grupo do facebook que pede a demissão da classe política e, num acto de rebeldia nata, já fez estremecer o café berrando indecências contra a progenitora do Ministro. Mas você, caro Leitor, é uma besta. E eu vou-me abster de lhe pedir para que não se ofenda. Eu quero que se sinta ofendido. Porque você, caro Leitor, é um idiota chapado.

Onde estava o meu amigo quando, fim de semana atrás de fim de semana, os mesmos agentes que nunca o impediram de ser roubado, cercaram as zonas de diversão nocturna incomodando quem quer que se faça passear numa viatura ? Provavelmente até concorda. Provavelmente até aplaude as vistorias aos popós, que se vêm tornando frequentes e escreve belas monografias enaltecendo a segurança, como se cada condutor fosse um perigoso terrorista à espera de rebentar. Provavelmente você viu aquele bar ser encerrado porque um artista se lembrou de acender um cigarro e aquela loja de conveniência fechar pelo simples facto de estar rodeada de bares e não ousou abrir a boca.

Sim, você que ejacula com as ASAEs e o seu fascismo gastronómico, para depois ir ao tasco da esquina queixando-se – e com razão – que as bifanas já não têm o sabor de antigamente. Você que quer limpar os bolos das escolas e arredores e meter as crianças a comer verduras no almoço e bananas no café da manhã. Você que branqueia os espancamentos nas esquadras e as rusgas nos subúrbios, que defende sem se questionar os gorilas de farda azul, legitimando que quem mora num bairro social – ahh, esse antro de bandidos e marginais – seja sujeito ao mesmo procedimento que um check-in de aeroporto. E por falar em aeroporto, já se sente mais seguro com por saber que o tipo que se senta ao seu lado só tem uma garrafinha de água ?

Você que pretende inspeccionar quem fuma com os filhos no carro ou com a empregada doméstica em casa. Você que acha que esses ladrões desses empresários devem ser constantemente incomodados para não fugirem às suas obrigações, que quer o Estado a inspeccionar as contas bancárias dos banqueiros e dos políticos, que festeja com as escutas da PJ ao Presidente do clube adversário. Você que que vibra com as rusgas aos feirantes, com o encerramento das Smartshops, que consentiu o assédio à restauração até entrarem no seu café, que consentiu o assédio aos agricultores até entrarem no seu quintal, que aplaudiu o assédio ao comércio até chegar ao supermercado e perceber que o produto que queria comprar tinha sido apreendido.

Hoje, observando o culminar da tirania que tem defendido, sente-se incomodado. Chega mesmo a sentir que o Estado se está a intrometer na sua vida. Chega ao ponto de, na sua inocência, citar chavões dos tais extremistas, dos mesmo anarquistas que tem vindo a insultar no café, no facebook e nas caixas de comentários dos blogues que lê. Mas você perdeu a guerra no dia em que deixou o Estado entrar na casa do seu vizinho. Abriu o precedente –  a caixa de pandora – para que ele um dia entrasse na sua. E esse dia chegou.

Agora sente-se, relaxe, beba um copinho de maduro tinto, acenda um cigarro e desfrute. Porque mais tarde ou mais cedo o Estado também o privará desses pequenos prazeres com tons de pecados. Por razões de saúde, por razões de segurança, por razões que o próprio imbecíl que fizer essa lei desconhecerá. Mesmo que isso implique entrar em sua casa, mesmo que isso implique a sua detenção por resistir à autoridade suprema dos fascistas que o governam. Como se diz em bom português, você fez merda, caro Leitor. Agora aguente-se à bronca. Aqui tem a factura do que pediu.

PS: Por cá o Carlos, a Maria João e o Ricardo (o outro) e no Estado Sentido o João Quaresma, o Samuel, o Fernando Melro dos Santos e o José Maria Barcia já escreveram sobre o assunto. Vale a pena uma vista de olhos.

Oh oh, here we go again…

Portugal sofre de um claro problema de taxa de juro baixa face aos consumidores que tem:

– Poupa-se pouco, consome-se muito, levando ao aumento do crédito mal parado;

– Sectores que usem muito crédito sobem (os chamados bens de consumo duradouro).

Em Portugal não existe, pelo menos há 15 anos, uma cultura de poupança. Assim, gasta-se o que não se tem e todos se tornam proprietários da sua casa, inchando uma bolha até… até… até… …

Bem, a notícia hoje é que Portugal teve, segundo os últimos dados disponíveis, o 2º maior boom de construção na UE em Fevereiro de 2011.

Espero que seja algo episódico e que o indicador “corrija” nos próximos meses. Se acelerar, here we go again