Pacheco Pereira, viaje lá fora

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Em flagrante querimónia escreveu Pacheco Pereira que a direita portuguesa deixou de ser patriótica para ser internacionalista. Patriótica no sentido em que nutre um amor irracional pelos símbolos, pela identidade, pela história, pelo sentimento de pertença do local onde, por obra e graça do aleatório, nasceu. Símbolos que, com demasiada frequência, refira-se, conduzem ao Estado, ao estatismo e ao nacionalismo. Certamente que estas palavras não são dirigidas à direita ultramontana, identitária e nacionalista, que sempre se identificou com esses símbolos.

Mas existe uma outra direita, ou talvez não seja de direita, que nunca se identificou com a história, com os símbolos ou com a identidade de um determinado país apenas porque lá nasceu. Essa direita, bem mais libertária, está-se literalmente nas tintas para a origem. Até porque o indivíduo não vale pelo berço, não vale pelas origens, não vale pelo país, não vale pelos símbolos. Um indivíduo vale pelo seu mérito, fenómeno ageográfico e ahistórico, pese embora o fado da geografia e da história que certamente lhe pesam. Não que a família, a biologia, a hereditariedade, o país e os amigos não sejam influência activa na sua formação, mas simplesmente porque essa herança social já há muito deixou de estar confinada a um país. Já há muito deixou de ser patriótica.

Vejamos aqueles que nasceram em Moçambique, Angola ou Brasil, viveram em Portugal, estudaram em Inglaterra ou nos Estados Unidos, vão de férias para a Croácia, foram de Erasmus para a Finlândia, têm um Facebook repleto de amigos de todo o mundo, já namoraram com uma Francesa, passaram férias com uma Alemã e, quiçá, adoptarão uma Chinesa enquanto vivem algures em Singapura. Esses estão, tal como os primeiros embora de forma inconsciente (chamemos ao efeito, em contraste com o conservadorismo consciente de Burke, “estou-me nas tintas para as fronteiras inconsciente”), bem a borrifar para a panóplia de símbolos e identidade que se elevam como Santo Graal das suas origens, estando bem mais atentos à pessoa em si, ao indivíduo. E quando não o estão, deslumbram-se com infindáveis e interessantes histórias e estórias que expõem um mundo de salutar diferença, onde o território não tem de ser amado, apenas enunciado, como ponto de partida para conversas que se estendem pela vida e sobre a vida.

Esta última direita, até provavelmente educada sobre a égide e os cânones tradicionais, com uma família conservadora em que o Domingo era de comunhão na Igreja, teve os seus filhos que entretanto viajaram e perceberam que existe vida para lá da identidade que é, curiosamente, uma das coisas que não controlamos. Talvez não lhe faça mal viajar também, e rapidamente perceberá que é possível gostar das origens, como de viajar, sem com isso ter de ser patriótico.

Mais a mais, declaração de interesses de um libertário: eu amo a Europa, a sua diversidade, o seu património vasto, as diferenças, as semelhanças, a história, a cultura, as gentes, os credos e os feitos. Não quero com isso dizer que goste da União Europeia que o Pacheco Pereira, ainda sofregamente confuso com o seu posicionamento ideológico, ajudou a construir e me deixou de herança. Essa, não é preciso ser patriótico para o dizer, está podre. No entanto, não a uso como arma de arremesso, com a Alemanha ao leme, para justificar os nossos infortúnios. Se isso é patriotismo, declaro-me desde já apatriota. Nós somos, com efeito, o resultado das nossas decisões. Más, por sinal, mas quanto a isso não há patriotismo que nos valha.

31 pensamentos sobre “Pacheco Pereira, viaje lá fora

  1. numiloses

    Vá para fora e nao volte.. e nao deixe morada, para a reforma que aufere nao ser paga.. os descontos que fez há muito que esgotaram o plafond.

    Se tenho de gostar dos simbolos que conduzem este pais para um estado socialista – CRP – entao sou dessa direita apatriota..

  2. Se Portugal nao lhe diz nada nem o quer preservar, mas que raio de autoridade tem vossa excelencia para opinar sobre politica nacional.
    Va para a sua amada Europa. Olhem que esta!!! Mas que asco.

  3. k.

    A minha opinião:
    À tradicional dicotomia Esquerda-Direita, numa sociedade Globalizada, acrescenta-se actualmente outra dimensão:
    Internacionalistas vs. “Soberanistas”. E estes podem ser tanto de esquerda como de direita, isto é, facilmente podemos encontrar pessoas de esquerda e de direita que sejam ambas “internacionalistas”, por exemplo – isto é, pessoas que prefiram Globalização à soberania do estado.

    De forma interessante, Daniel Rodrik escreveu sobre isto, descrevendo um trilema impossivel: Entre Globalização Democracia e Soberania, podemos ter dois, mas nâo os três ao mesmo tempo – o que a ser verdade, cria questões bastante interessantes!

    http://rodrik.typepad.com/dani_rodriks_weblog/2007/06/the-inescapable.html

  4. Caro Miguel Nunes Silva, certamente que V. não concluirá, numa leitura desapaixonada, que Portugal não me diz nada. O que me leva para o segundo ponto: são precisamente esses fervores pouco racionais que geram ódios entre povos muito pouco salutares.

  5. Miguel Noronha

    Acho que o erro de base (e não tenho a certeza que seja inocente) é acharem que certas imposições decorrentes do tratado orçamental e do programa de ajustamento não são boas para a economia nacional.

  6. Renato Souza

    Tem muitas pessoas que confundem amar um país com amar o estado. O país é um bem enorme, o estado é apenas um mal necessário, porque estado significa coação e, pior ainda, mesmo coação sobre pessoas pacíficas, honestas, adultas e sãs (freqüentemente por parte de pessoas violentas, cafajestes, infantilizadas, e mesmo doidas). A hipertrofia do estado deve ser odiada mesmo, e diria que uma pessoa que não odeie essa hipertrofia talvez não seja muito normal.

    A mesma confusão fazem com a UE. Muita gente pode amar o pertencer à Europa, e odiar a UE. Que é um mal, e talvez nem seja muito necessário.

  7. Ricciardi

    O liberalismo, tal como o comunismo, são ideologias internacionalistas. Só funcionam se se abdicar das tradições particulares de cada povo.
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    O liberalismo, na linha do que aconteceu com o comunismo posto em prática, acabará tambem por colapsar. Da mesmissima forma como acabou o comunismo acabará o libertarianismo.
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    A razão será a mesma. A causa semelhante: a destruição daquilo que une as pessoas e para a qual as pessoas regressam, invariavelmente.
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    Em tempos de fartura e paz é natural que as pessoas, mesmo as mais cultas e inteligentes, pensem como o Mário Lopes. Que mal virá ao Mário se ignorar os simbolos, os ritos, a religião, a história do povo a que pertence? Nenhum. Por agora nenhum mal advirá.
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    Não creio, porém, que os seus filhos ou netos possam vir a achar o mesmo.
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    Rb

  8. Bruno Carrilho

    Bravo! Pessoalmente não vejo necessidade de classificar os ideiais libertários como sendo de direita (consegue-se montar o argumento que na verdade são de esquerda, no sentido mais primordial do que a esquerda foi na sua gênese, uma rejeição do que são direitos herdados de nascença e a defesa de uma sociedade verdadeiramente justa), aliás como o próprio autor indica a dada altura. Acho aliás que a tentativa de colocar todos os posicionamentos políticos no eixo esquerda-simplista esquerda-direita é um factor importante na falta de qualidade da discussão política. Acredito que grande parte das pessoas que contribuem para este fórum estão bem cientes disso mas acho que se investe pouco em desmontar está simplificação redutora do espectro político. E que as poucas pessoas capazes de terem intervenções inteligentes, bem formadas, sérias e independentes neste pais (muitas delas contribuintes ou leitoras deste espaço) podiam ter um papel mais determinante na “educação” do resto da sociedade que, menos formada, se deixa enredar pelo discurso dos actores políticos que utilizam imprecisões, simplificações como esta em seu proveito.

  9. Bruno Carrilho, eu próprio incorro nesse reducionismo da dicotomia esquerda/direita, confesso. Faço-o por mera simplificação (e preguiça). No fundo, no fundo, os libertários são do centro radical, mas já é tão complicado ter de lidar com os termos pejorativos que a esquerda inventa que se torna simplesmente mais fácil dizer que somos de direita. E na questão das reformas graduais, reaccionárias e não-revolucionárias, de facto somos de direita.

  10. Ricciardi

    Provavelmente emigrarão. E voltarão para estar com os avós e manos e primos e amigos. Provavelmente cantarão o hino nacional emocionados ou regressarão para assistir à final da liga dos campeões entre o FCPorto e Real Madrid. Muito provavelmente terão saudades do cheiro das sardinhas assadas. Provavelmente trarão uma noiva estrangeira que se apaixonará pelos costumes do povo portugues. Provavelmente emigrarão.
    .
    Rb

  11. Ricciardi

    Mas o mais provável é mesmo que na emigração procurem compatriotas nas mesmas circunstancias.
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    Rb

  12. Ricciardi, também eu adoro o cheiro de sardinhas assadas, especialmente comê-las. Adoro o FC Porto, o Porto, e não fico indiferente a ouvir A Portuguesa, não fico indiferente aos costumes, às gentes de Portugal. Olhe, talvez isso explique porque escolhi continuar a viver no Porto. Só não uso essas emoções, nem acho que devam ser usadas, como referencial político e ideológico.

  13. Ricciardi

    Mas não são essas emoções que nos fazem portugueses, diferentes de outros povos e, por maioria de razões, não é isso e outras portugalidades que deve ser usado como referencial politico de quem nos governa?
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    Parece-me que sim.
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    Mas não é isso, Mário, que o levará a continuar a ficar no Porto, creio. Tem mais a ver com outros considerandos mais práticos e prementes onde esse terá certamente o seu devido peso.
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    Afinal de contas é em casa que nos sentimos bem. Vamos para fora para voltar, mesmo que isso possa não se possa verificar.
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    As referências politicas devem ser a portugalidade. As ideologicas adaptadas à portugalidade. O mesmo é dizer que será bom o principe que tiver em boa conta os interesses dos portugueses.
    .
    Rb

  14. Ricciardi

    Se o interesse último de quem nos governa não for a portugalidade, então, passa a ser outro o interesse. Talvez o interesse de uma maioria. Ou o interesse de quem tem o poder militar, financeiro, religioso, hierarquico etc.
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    De facto, nas recentes negociações comerciais que a UE está a fazer com os EUA, assistimos ao poder de uma maioria na fixação de objectivos. Nenhuma das negociações aduaneiras se fez acerca de produtos onde Portugal tem interesses directos. Os negociadores da UE foram a Alemanha, a França e a Italia. Provavelmente para assegurar boa negociação para as suas industrias nacionais, nomeadamente a automovel. Estão-se a marimbar para a portuguesa. Nem nos representamos, nem fizemos força para participar numa das mais importantes negociações do seculo.
    .
    Rb

  15. tina

    ahahaha, Pacheco Pereira, antigo vice-presidente do Parlamento Europeu, virou agora antieuropeísta!… Afinal de que se queixa ele exactamente, qual é o problema que a UE tem agora que não tinha antes? Como sempre, não substancia o que diz, fica-se por meras acusações. O que ele não gosta muito provavelmente é que os orçamentos e défices sejam agora controlados pela UE. O que ele queria era Portugal poder continuar a gastar o que não tem. E depois vem acusar os outros de antipatriotas!… Ele, e todos que defendem endividamento, são os maisores antipatriotas de todos, põem os seus interesses acima dos do país. Que grande fraude é Pacheco Pereira.

  16. tina

    “Os negociadores da UE foram a Alemanha, a França e a Italia. Provavelmente para assegurar boa negociação para as suas industrias nacionais, nomeadamente a automovel.”

    isso sempre foi assim, nas pescas, na agricultura, etc, cada um teve sempre de lutar por si próprio. Hoje não é diferente de ontem.

  17. Riccardi, como referi no artigo, não é preciso ser patriota para não gostar desta UE. Eu não gosto. Um outro exemplo (parvo) é o Reino Unido não poder assinar um acordo de livre comércio com uma ex-colónia sua, a India, porque a UE não permite.

  18. lucklucky

    O Pacheco Pereira está a lamentar porque é que a Direita não é politicamente desonesta como ele.
    Porque não defende Portugal contra a terrível Alemanha que recusa subsidiar todos os desmandos do Regime Socialista com 3 bancarrotas em 30 anos.

    “Entre Globalização Democracia e Soberania, podemos ter dois, mas nâo os três ao mesmo tempo – o que a ser verdade, cria questões bastante interessantes!”

    A Suiça ? Singapura?

  19. Diagrama de Nolan: googlem, que explica tudo.

    A dicotomia unidimensional esquerda-direita é do século XVIII, desde o final do século XIX que existe outra dimensão, vertical: colectivismo (ou totalitarismo) versus liberalismo (ou anarquismo).

    Pode-se ser de direita ou de esquerda, e colectivista ou liberal. Nos seus 4 quadrantes, teremos os seguintes extremos:

    1- A direita colectivista é conhecida como Fascista (confundida com Socialista pelos seus valores colectivistas, nomeadamente pela importância e poderes dados ao Estado).

    2- A direita liberal é conhecida como Libertária (ou Neo-Liberal), ou no limite, Anarco-Capitalista (penso que dos Insurgentes só o João Luis Pinto se aproxima deste último conceito).

    3- A esquerda colectivista é conhecida como Comunista, ponto.

    4- A esquerda liberal é conhecida como Anarquista, sendo representada por exemplo pelo Rui Tavares, do Livre.

    A direita liberal está em crescendo no mundo, daí aparecerem tantos livros de esquerda (Pikety, Stigliz, etc) a tentar provar exactamente o contrário, alegando que o Neo-Liberalismo vai acabar, etc.

  20. Francisco

    Quando não há coerência e há muita contradição no que vai dizendo e escrevendo e em constante oposição, dá vontade de dizer ao P.P. “Porque não te calas?”…

  21. Rui

    Houvessem mais a pensar isto:
    “No entanto, não a uso como arma de arremesso, com a Alemanha ao leme, para justificar os nossos infortúnios. Se isso é patriotismo, declaro-me desde já apatriota. Nós somos, com efeito, o resultado das nossas decisões. Más, por sinal, mas quanto a isso não há patriotismo que nos valha.”
    em vez da postura do “bom-aluno” e hoje estariamos na frente e não na cauda da Europa…

  22. hustler

    OInsurgente é um blog que se pretende distanciar da esquerda e nesse sentido percebe-se o porquê de certas tomadas de posição dos autores que aqui escrevem, aproximando-se a posições indistinguívelmente antagónicas dessa ideologia, tentando por vezes passar a ideia de que ou é preto ou é branco ( e que não há outros cromatismos), amor/ódio, e assim extremar o binómio esquerda/direita.
    Mas nada disto é assim tão simples, a Direita no seu sentido lato é conhecida como uma doutrina que dá primazia à iniciativa privada, ao “individualismo” e a costumes conservadores. O problema aqui começa quando as coisas são reduzidas de forma simplista a estes princípios e por vezes -como é o caso aqui do patriotismo- não são verdadeiramente pertença de nenhuma ideologia.
    Mas mais complicado ainda é a análise de assuntos que não são inequivocamente de direita, ou sequer de esquerda! Há quem seja um fervoroso apoiante do principio económico laisser faire e que não se reveja em costumes ou normas sociológicas conservadoras “coladas” à direita, como por ex.o aborto. Existe quem seja apoiante da economia de mercado e se reveja num estado social, como é por ex.o caso da Suécia. Ele também há quem se reveja no país global e colectivista de Singapura! (e por muito que tentem colar estas nações à esquerda, a verdade dos factos assim o desmente!)
    Não é pura e simplesmente possível agarrar num destes exemplos e tentar associá-los a um dos extremos ideológicos esquerda/direita. É no mínimo tendencioso, parcial e extremamente redutor das virtudes e defeitos dos mais diversos casos que se apresentam!

  23. tina

    Francisco: “Quando não há coerência e há muita contradição no que vai dizendo e escrevendo e em constante oposição, dá vontade de dizer ao P.P. “Porque não te calas?””

    Muito bem! No fundo tudo o que Pacheco Pereira quer fazer é atacar o PSD. Está tão obcecado que já não consegue perceber o papel que faz. Muito triste mesmo, para quem até parecia uma pessoa inteligente…

  24. O post de Mário Amorim Lopes no Insurgente, de resto bastante interessante, e com cuja substancia nem concordo nem discordo – em matérias de consciência como a presente não outorgo a ninguém o direito de criticar petulantemente o meu exercício e não me dou naturalmente licença de censurar os que, como eu, são livres e em liberdade pretendem viver -; deixou-me a pensar. Afinal, com que lentes vejo o mundo? Com que mãos o sinto? Deixando a tecnicidade da Teoria e Filosofia Políticas que, sendo por mim muito apreciadas, pouco me poderão ajudar neste domínio, importa que divida o objecto para o simplificar e reagrupar.

    Vamos atomizar a direita agrupando-a em famílias, tanto quanto é possível fazê-lo. É uma simplificação porventura excessiva e já inadaptada ao sem número de variáveis a que a equação terá de atender para classificar as várias direitas do espectro político actual mas, ainda assim, ou por ser assim, serve o propósito aventado. Aqueles que são Liberais – no sentido Europeu Continental e não no sentido Anglo-norte-americano do termo – nos costumes e na economia, dependendo naturalmente do grau, poderão ser cunhados de Libertários – caso tenham uma visão muito pouco regulamentadora do Estado, ao acreditarem firmemente na concepção Hayekiana de Ordem Espontânea e forem mais adeptos de um mercado totalmente livre e aberto – ou de Liberais Clássicos, se estiverem impregnados dos mesmos ideais de liberdade dos Libertários mas acharem que o Estado pode desempenhar um papel um pouco mais relevante na sociedade. Se forem Liberais na economia e começarem a fraquejar no tocante à tolerância que demonstram para com os comportamentos e matrizes morais do que se vos apresentem, então poderão encontrar-se no mundo Democrata-cristão. A CDU e a CSU na Alemanha acolher-vos-ão. Se na economia forem tendencialmente Liberais, aceitando os princípios do livre-mercado, mas com interferências Estatais sempre que aquele que toma as decisões políticas achar que o que está em causa é o tão conhecido «interesse nacional»(?!?) ou os mais falados ainda «centros de decisão nacionais»(?!?) , ao mesmo tempo que mantêm uma rigidez moral pessoal/formal considerável, mas que só muito raramente ou nunca ganha forma de lei, então provavelmente devem ver-se como Conservadores. Se, finalmente, acharem que o Estado pode e deve comandar uma série de aglomerados e conglomerados que, ao invés de competirem em livre mercado, se sujeitam à sua iluminada vontade e que nesse Estado o ungido detém o direito de definir o que é ou não é aceitável no mundo da moralidade; então veja-se ao espelho e chame-se Nacionalista.

    Até aqui, im westen nichts neues. E que fazer àqueles ou àquelas que, como eu, tem um ideal de vida relativamente claro e o consideram vertido num caldo habitado por uma espécie de miscigenação entre um Libertarianismo de principio um Liberalismo Clássico de acção? O que dizer daqueles que, como eu, respeitam grandemente a opinião alheia, mas nutrem um respeito quase venerativo, de igual ordem de grandeza, e com idêntico sentido e direcção do respeito por essa liberdade, quando pisam o campo de batalha de São Jorge ou tocam a pedra dos Jerónimos? Em que saco devem ser colocados aqueles para quem a batalha de Diu não lhes é indiferente, qual a natureza dos que se arrepiam quando ouvem o hino nacional, qual o lugar dos que, como eu, reverenciam Duarte de Almeida, Afonso de Albuquerque, D. Francisco de Almeida ou D. Nuno Álvares Pereira? Aonde me encaixo eu, que tenho a esfera armilar no escritório à direita da Bandeira Nacional?

    Caríssimos, creio não ter escolhido ter pontos de vista que fazem de mim um Liberal. Foi a razão que os escolheu por mim ou, adaptando Ortega y Gasset, a razão e as minhas circunstâncias. E não, eu pelo menos não, não sinto um apelo irracional pela terra onde nasci. Sinto um apelo telúrico, intenso, solidário, possessivo até, mas não irracional. Não dar-mos o melhor de nós e exigirmos o melhor dos outros é que é irracional, e isso é o que nós temos passado boa parte do nosso tempo a permitir que aconteça. E se repita. Como povo, temos um território, uma língua, uma organização política consensual e uma cultura de norte a sul una e forjada na lembrança do sofrimento e da perda de séculos de história – e não, não a cunharei de gloriosa, porque sei que não o fui – que, no final das contas, é a nossa; e à qual não podemos escapar. No meu caso, não quero mesmo escapar-lhe. Quero sobreviver-lhe, e dobrar-lhe o cabo das tormentas. Se erros foram cometidos, se quem tomou as decisões erradas e arrastou todos os outros para este buraco do qual agora parecemos não conseguir sair realmente o fez, foi porque não enfrentou uma sociedade civil forte e informada capaz de travar ímpetos despesistas cujas consequências os outorgantes não tinham o direito de fazer reflectir sobre a geração que lhes sucederia; se isso aconteceu, em parte a culpa foi nossa. Assumamo-la. Corrijamos para futuro. Os Liberais não estão à espera que os outros decidam por si, e nós deixámos, ou fomos deixando.

    Caros concidadãos, é verdade que não é justo que ao altar da Pátria se sacrifique tudo. E tudo é a liberdade, porque a liberdade são as mais variadas liberdades. Mas a Pátria nunca pediu isso, foram os homens que lhe quiseram dar, umas vezes de coração cheio e de edelweiss’s na lapela, mas esquecendo a liberdade dos seus pares, outros usando o seu nome para cumprir os seus próprios fins.

    As identidades nacionais servem para não nos esquecermos do que somos e de onde viemos: nunca para impedir que sejamos quem queremos ser. NUNCA. Elas existem para que não chamemos Wihlelm a um Guilherme, elas foram forjadas para que o João seja João e não Juan, elas permanecem porque, de alguma forma, por razões que nem a globalização abala, os Portugueses continuam querer estar entre si, cá dentro e lá fora, embora seja verdade que só estejamos bem onde não estamos no momento em que proferimos as nossas habituais queixas sobre tudo e, basicamente, sobre todos. E querem morrer cá, e ser enterrados junto dos seus antepassados. Se é verdade que aparenta haver muito pouco de racional nisto, não esqueçamos que Dante nos ensinou que «a razão nos é dada para discernir o bem do mal». Estando eu na posse da totalidade das minhas faculdades mentais, e não achando que este conjunto de acções represente o mal, havemos todos de convir que me resta concluir que representando estas acções o bem, hão-de ter na sua base um qualquer substrato racional, ainda que aceite que epistológicamente esta explicação esteja muito longe de encerrar em si uma validade incontestável. Ficará para outra altura.

    Caro Amorim Lopes: apraz-me a sua independência, agrada-me a sua coragem para dizer o que pensa ao invés do que julga que os outros querem ouvir. Ora aí esta uma sempre salutar qualidade Libertária. Mas aceite que eu, estando-lhe provavelmente muito distante no tocante ao sentimento que nutro pela terra onde – aleatoriamente, é verdade – nasci, estou-lhe o possivelmente muito próximo em praticamente tudo o resto.

    A franqueza com que lhe escrevo afasta-nos ou aproxima-nos?

  25. Caro Alexandre Portugal, antes de mais, obrigado pela sua recensão crítica. Foi com muito prazer que a li. Uma nota prévia: eu partilho consigo, e com os demais concidadãos portugueses, grande parte da história da qual nos orgulhamos, que fundou Portugal e que, mal ou bem, nos trouxe até aqui. O que eu não concordo é que isso seja usado como argumento político para, com demasiada frequência, 1) suprimir os interesses individuais em nome “da nação” ou, como é actualmente dito, em nome do “bem comum”; 2) promover políticas proteccionistas, mercantilistas, que visam “proteger o país”, mas que no final protegem os que estão instalados, criam atrofia económica e relegam o país ao primitivismo económico que sempre nos caracterizou. Daí que, sempre que ouço apelos ao patriotismo, ao “compre português” só porque é português, fique de pé atrás.

    Posto isto, não acho que nenhum libertário deva relegar as suas origens, apenas não lhes atribuir demasiada importância, ou mais do que aquilo que efectivamente é: uma obra do acaso que não nos diz nada, para lá dos clichés estereotipados com que olhamos para um natural de um determinado país ou região, sobre o indivíduo em si. Em suma, é muito mais o que nos aproxima do que o que nos separa.

  26. Pingback: Ordem velha | O Insurgente

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