Argumentos contra a escolaridade obrigatória até aos 18 anos

O argumento moral:

Não existe qualquer argumento moral que fundamente impôr a um cidadão estudar caso isso não seja da sua vontade (e muito menos num quadro jurídico em que o “direito ao trabalho” é legalmente reconhecido a partir dos 16 anos). A liberdade de decidir prosseguir ou não estudos deve partir dos próprios visados e daqueles que são os seus tutores, os pais. Impedir aos agentes que sejam decisores no processo de gestão da sua própria vida é moralmente insustentável. Obrigar os contribuintes a financiar este sistema é duplamente imoral.

O argumento político:

Quando o Estado se substitui a esse processo de decisão, está também implicitamente a arrogar-se a custódia directa sobre os jovens, excluindo e desresponsabilizando os pais no processo educativo dos seus filhos. A defesa de um sistema educativo no qual a obrigatoriedade do ensino seja efectiva até à idade em que os cidadãos se tornam legalmente imputáveis é a defesa de um Estado com funções morais e pedagógicas que pressupõe uma noção de sociedade como um colectivo desprovido de capacidade decisora, colectivo esse que importa educar.

O argumento pedagógico:

Ver a Escola como um dever e não como um direito acarreta uma noção de Escola que frustra o objectivo para o qual ela foi desenhada: a transmissão e criação de conhecimento. A atitude do estudante caracteriza-se pela predisposição (que implica liberdade) para apreender ferramentas que considera serem úteis para a sua vida futura. Ver a Escola como uma pena a cumprir, um serviço que a colectividade impõe, desvaloriza a Escola aos olhos de quem nela está obrigado a estar. Só valorizando aquilo que a Escola representa podem os estudantes ter uma atitude favorável à aprendizagem.

O argumento da ineficiência:

  • A obrigatoriedade da Escola até aos 18 anos significa necessariamente um nivelamento por baixo da exigência na transmissão de conhecimentos dado que passará a ser necessário acomodar alunos sem vontade ou capacidade para prosseguir estudos;
  • Os problemas de autoridade dos professores e de bullying aumentarão dado que aumentará também a população que não entende a Escola como algo de valorizável em si.
  • A medida passa a implicar a sua gratuidade, aumentando a carga fiscal sobre os contribuintes. A medida é inconsciente no que toca ao quadro financeiro de Portugal, cuja prosperidade não pode ser comparada aos escassos cinco países da União Europeia que aderiram ao sistema de escolaridade financiada até aos 18.

O argumento psicológico:

A decisão de prosseguir ou não estudos é crucial na vida de um jovem, momento no qual deve fazer um esforço de  análise das várias opções de vida que se encontram disponíveis, escolhendo por entre as opções aquela que entende ser para si a mais adequada. O importante nisto é o próprio processo de decisão que permite ao jovem ir tomando consciência da identidade que pretende construir para si mesmo, e que inaugura com maior peso a consciência de que as decisões acarretam responsabilidade, cujo peso o jovem terá de assumir. Retirar aos jovens oportunidades cruciais para se definirem enquanto pessoas é retirar-lhes a experiência de que são responsáveis pelo curso da sua vida. E sem experiência da responsabilidade não há maturação dos agentes enquanto decisores.


A escolaridade obrigatória até aos 18 vem apenas agravar os problemas da Educação em Portugal, contribuindo também a médio prazo para aquilo que é já sintomático no país: somos cada vez mais uma sociedade de cidadãos infantilizados, sem cultura de responsabilidade, e para quem o Estado é sempre, em qualquer instância, o Grande Decisor.

19 pensamentos sobre “Argumentos contra a escolaridade obrigatória até aos 18 anos

  1. Manolo Heredia

    A ideia é fazer com que os jovens entrem no mercado de trabalho o mais tarde possível. Ninguém tem coragem para assumir essa razão por questões que se prendem com o “politicamente correcto”, que por sua vez está relacionado com a necessidade de baixar o valor das taxas de desemprego.

  2. “A medida passa a implicar a sua gratuidade, aumentando a carga fiscal sobre os contribuintes. A medida é inconsciente no que toca ao quadro financeiro de Portugal, cuja prosperidade não pode ser comparada aos escassos cinco países da União Europeia que aderiram ao sistema de escolaridade financiada até aos 18.”

    Não passa, já que já é praticamente gratuita há muito tempo (ok, havia uns selos que tínhamos que comprar a titulo de propinas, mas o unico efeito disso era fazernos perder tempo – o custo era quase nenhum).

    Passará, claro, é a haver mais gente a ser finaciada

  3. Já agora, acrescentaria mais um argumento (não tento contra a EO até aos 18 anos, mas contra a EO até ao 12º ano) – haverá montes de pessoas que, mesmo com 12 anos de EO, não a irão tirar (basicamente, basta chumbarem um ano para poderem sair da escola sem o 12º ano).

    Assim, daqui a uns anos teremos uma catrevada de gente sem a escolaridade obrigatória e portanto legalmente impedida de concorrer a várias profissões.

  4. lucklucky

    “Assim, daqui a uns anos teremos uma catrevada de gente sem a escolaridade obrigatória e portanto legalmente impedida de concorrer a várias profissões.”

    O problema é “legalmente”.

  5. “Assim, daqui a uns anos teremos uma catrevada de gente sem a escolaridade obrigatória e portanto legalmente impedida de concorrer a várias profissões.”

    Miguel,

    Aí entram em cena as Novas Oportunidades. Está tudo previsto, ainda que possa parecer que não…

  6. Também aqui Paulo Rangel tem razão. Muito mais importante do que proporcionar escolaridade obrigatoriedade até ao 12º ano seria possibilitar a universalidade do acesso à pré-primária dos 4 aos 6 anos.

  7. José Manuel Moreira

    Uma boa surpresa. Afinal, ainda há pessoas com atrevimento e capacidade para distinguir entre um problema e diferentes soluções.
    Parabéns à EJ
    JMM

  8. CN

    Eu sou a favor ao direito universal a frequentar a Escola voluntariamente e sem ameaças, desde os 4 anos.

  9. Pi-Erre

    Comentário por Manolo Heredia — Março 7, 2010 @ 19:32

    “A ideia é fazer com que os jovens entrem no mercado de trabalho o mais tarde possível. Ninguém tem coragem para assumir essa razão por questões que se prendem com o “politicamente correcto”, que por sua vez está relacionado com a necessidade de baixar o valor das taxas de desemprego.”

    Subscrevo inteiramente.

  10. Pingback: O fenómeno do bullying nas escolas : uma perspectiva conservadora « perspectivas

  11. Francisco Barroso Rodrigues

    Com a escolaridade obrigatória até aos 18 anos está-se a cometer um crime contra jovens que não querem a escola. É uma violência a que se assiste todos dias nas escolas: alunos que transformaram as nossas salas de aulas e lugares em que o ensino é impossível pelos comportamentos e atitudes de indisciplina, de oposição, de resistência e desafio a todo e qualquer ensino. O resultado não pode ser diferente. Para jovens com quinze, dezasseis e dezassete anos, que não reconhecem a autoridade do professor, nem dos encarregados de educação, as escolas encontra-se completamente desarmadas com alunos com este perfil – qualquer sanção não funciona com estes alunos. Medidas de integração escolar (são transformadas pelos alunos em brincadeira), dias de suspensão, funcionam com prémio e por último, expulsão de escola … é transferir esses problemas para outra escola.
    A única solução que vejo é libertar estes alunos que são forçados a estarem na escola com estas idades, quando o desejo de muitos deles era estarem a trabalhar, ajudando deste modo os fracos recursos financeiros das famílias de onde é proveniente a maior parte destes alunos. Para não falar na contradição legislativa que obriga a uma escolaridade obrigatória até aos 18 anos com a idade legal de trabalho com 16 anos!
    Estes alunos que devem representar um terço atualmente a frequentar a escola, estão rapidamente a destruir o ambiente nas escolas e a degradar os contextos de ensino/aprendizagem.
    É verdade que para nós professores com esta escolaridade implica mais horários, logo menos horários zero. Mas será que vale a pena? Será que não estamos a degradar cada vez mais a escola pública? Parece ser esse o intento deste governo – transformar a escola pública basicamente para este tipo de alunos, para outras famílias que possam, irão para escolas privadas!

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