“Os meus filhos são Socialistas”, por Inês Teotónio Pereira

Não sei se são só os meus filhos que são socialistas ou se são todas as crianças que sofrem do mesmo mal. Mas tenho a certeza do que falo em relação aos meus. E nada disto é deformação educacional – eles têm sido insistentemente educados no sentido inverso. Mas a natureza das criaturas resiste à benéfica influência paternal como a aldeia do Astérix resistiu culturalmente aos romanos. Os garotos são estóicos e defendem com resistência a bandeira marxista sem fazerem ideia de quem é o senhor.

Ora o primeiro sintoma desta deformação ideológica tem que ver com os direitos. Os meus filhos só têm direitos. Direitos materiais, emocionais, futuros, ambíguos e todos eles adquiridos. É tudo, absolutamente tudo, adquirido. Ele dão como adquirido o divertimento, as férias, a boleia para a escola, a escola, os ténis novos, o computador, a roupinha lavada, a televisão e até eu. Deveres, não têm nenhum. Quanto muito lavam um prato por dia e puxam o edredão da cama para cima, pouco mais. Vivem literalmente de mão estendida sem qualquer vergonha ou humildade. Na cabecinha socialista deles não existe o conceito de bem comum, só o bem deles. Muito, muito deles.

O segundo sintoma tem que ver com a origem desses direitos. Como aparecem esses direitos. Não sabem. Sabem que basta abrirem a torneira que a água vem quente, que dentro do frigorífico está invariavelmente leite fresquinho, que os livros da escola aparecem forradinhos todos os anos, que o carro tem sempre gasolina e que o dinheiro nasce na parede onde estão as máquinas de multibanco. A única diferença entre eles e os socialistas com cartão de militante é que, justiça seja feita, estes últimos já não acreditam na parede – são os bancos que imprimem dinheiro e pronto, ele nunca falta. 

Outro sintoma alarmante é a visão de futuro. O futuro para os meus filhos é qualquer coisa que se vai passar logo à noite, o mais tardar. Eles não vão mais longe do que isto. Na sua cabecinha não há planeamento, só gastamento, só o imediato. Se há, come-se, gasta-se, esgota-se, e depois logo se vê. Poupar não é com eles. Um saco de gomas ou uma caixa de chocolates deixada no meio da sala da minha casa tem o mesmo destino que um crédito de milhões endereçado ao Largo do Rato: acaba tudo no esgoto. E não foi ninguém…

O quarto tique socialista das minhas crianças é estarem convictas de que nada depende delas. Como são só crianças, acham que nada do que fazem tem importância ou consequências. Ora esta visão do mundo e da vida faz com que os meus filhos achem que podem fazer todo o tipo de asneiras que alguém irá depois apanhar os cacos. Eles ficam de castigo é certo (mais ou menos a mesma coisa que perder eleições), mas quem apanha os cacos sou eu. Os meus filhos nasceram desresponsabilizados. A responsabilidade é sempre de outro qualquer: o outro que paga, o outro que assina, o outro que limpa. No caso dos meus filhos o outro sou eu, no caso dos socialistas encartados o outro é o governo seguinte.

Por fim, o último mas não menos aterrorizador sintoma muito socialista dos meus filhos é a inveja: eles não podem ver nada que já querem. Acham que têm de ter tudo o que o do lado tem quer mereçam quer não. São autênticos novos-ricos sem cheta. Acham que todos temos de ter o mesmo e se não dá para repartir ninguém tem. Ou comem todos ou não come nenhum. Senão vão à luta. Eu não posso dar mais dinheiro a um do que a outro ou tenho o mesmo destino que Nicolau II. Mesmo que um ajude mais que outro e tenha melhores notas, a “cultura democrática” em minha casa não permite essa diferenciação. Os meus filhos chamam a esta inveja disfarçada, justiça, os socialistas deram-lhe o nome de justiça social.

A minha sorte é que os meus filhos crescem. Já os socialistas são crianças a vida inteira.

Não sou eu o autor, mas gostaria. Está muito bom. Ou deprimente, dependendo do ponto de vista.
Editado para acrescentar a autora: Inês Teotónio Pereira.

35 pensamentos sobre ““Os meus filhos são Socialistas”, por Inês Teotónio Pereira

  1. « Isso não é socialismo, é má criação. »
    One and the same

    Quando escolhia a imagem para o artigo, apareceram-me os rabos do “Nao pagamos” num protesto estudantil em Lisboa.
    Talvez devesse ter escolhido essa imagem…

  2. PBeirao

    As crianças sempre foram assim. Chamar-lhes “socialistas” apenas revela fanatismo ideológico. Uns vêem “fascismo” em toda a parte, outros o “socialismo”.

  3. Suh

    Achei o texto interessante, porém, o socialismo não é isso. Ou melhor, não é assim tão linear.

  4. Dervich

    #5 Ricardo, fez bem em não ter escolhido essa foto pois a mesma relaciona-se com uma geração anterior à sua ou quase (bem, vá lá, da idade dos seus primos mais velhos, se os tiver).

    Julgo que tem sorte em não ter sido o autor do artigo – a sua vida seria muito deprimente.

    Aliás, o texto ilustra o processo de imbecilidade que acontece aos simples de espírito quando são liderados por gente com comportamentos desplicentes e incoerentes e que não são exemplo para ninguém.

  5. Antonio Guerra

    1. Sem dúvida má criação.
    2. Quem é pai e só vê defeitos nos próprios filhos é porque de facto os cria mal e não incute valores.
    3. Como acredito que o socialismo tem algumas coisas boas e acredito também que as crianças na sua inocência têm qualidades lindas, que ainda não foram moldadas pela sociedade, percebo o paralelismo. Só é pena a comparação apenas olhar para os defeitos e não para as virtudes….
    4. Deu para rir….

  6. tina

    Está brilhante a comparação entre meninos mimados e socialistas, porque a mentalidade socialista não passa disso, acham que têm direito a tudo e não devem nada a ninguém.

  7. João Pedro Mendes de Matos

    Lixo demagógico literariamente criativo. Lê-se com prazer. Parabéns ao autor! Como mensagem ” política ” sugiro uns estudos e algumas leituras adequadas a um adulto inteligente e racional. Não as explicito, tal seria infantilizá-lo ao nível mental das crianças que tão mal soube educar… Cumprimentos!

  8. Comunista

    É mais do que evidente que a inveja é uma característica intrínseca ao capitalismo. É a inveja que leva os capitalistas a competir entre si e é a inveja que leva a que se vendam muitos produtos a muita gente, ou seja, vendo o vizinho com um não-sei-quê xpto o vizinho também quer um. Aliás os próprios direitistas dizem que o egoísmo é fundamental para o desenvolvimento da iniciativa privada e a inveja é egoísmo.

  9. Sejamos claro: obviamente que o que a autora relatou não são as intenções do socialismo. São os resultados. O que na prática é rigorosamente a mesma coisa, com a diferença que permite aos socialistas dormirem descansados.

    E ao contrário do que o Comunista afirma, e mal, as emoções não são inerentes a nenhum sistema económico mas sim à pessoa, e daí é que resultam sistemas económicos mais e menos compatíveis com a natureza humana (daí que o socialismo seja um falhanço rotundo). Claro que a concepção do humanismo de esquerda vê as pessoas como tábua rasa, obliteradas de qualquer intuição, natureza e carga biológica que as leve a serem competitivas ou quererem o melhor para si. É o capitalismo e a decrépita sociedade ocidental que as transforma, dizem eles. Pergunto-lhe: foi o capitalismo que o fez ditar tantos disparates?

  10. A. R

    A inveja é o que leva a cada esquina um bufo com que os regimes comunistas oprimem o povo. A inveja foi o que levou durante o hologrom uma família ao descobrir que o vizinho tinha morto um animal a pedir-lhe metade do animal e depois de lho darem esta mesma família acabou por denunciar o vizinho para receber o prémio. Confundir competição com inveja só espíritos moribundos e tacanhos são capazes de o fazer.

  11. carlos reis

    Não se assuste Inês, afinal os putos seguiram à rica os seus avisados ensinamentos. Privatizaram-na. Ficaram com os lucros e a Inês com os prejuízos. Automóvel com chaufer, cartão de credito, tênis caros, fabricados ao preço da chuva, chocolates e gomas. Gomas? ‘E o sonho de qualquer empreendedor. Daí a dias vão para a universsidade, e enquanto o cavaco esfrega um olho, saem de lá doutores. Os cacos? Os cacos
    ha-de haver por aí um ordenado mínimo qualquer que os apanhe.

    que os apanhe.

  12. lucklucky

    carlos reis esse é o desejo de qualquer empreendedor soci@lista. Esqueceu-se dessa ultima palavra: soci@lista.

    E ainda não chegou aos empreendedores das ONG e diversos “non profit” então aí é que é…

    Mário Amorim Lopes

    Se a escravatura tivesse funcionado o comunismo provavelmente também teria – de 1862 uma experiência:

    E os incentivos da social democracia seguem esse caminho.

  13. Comunista

    Vejam o filme da vossa mestra Rand, “Fountainhead”: vocês verão que tudo aquilo é uma crítica ao capitalismo, que o capitalismo mesmo para Rand não é o herói ideal e isolado e a namorada dele, o capitalismo é o resto. É isso que Rand mostra. Inveja é isso o que ela mostra mover a competição no capitalismo.

  14. lucklucky

    Comunista porque é que não cria uma comuna? com pessoas que concordem consigo.

    Porque é que para ser Comunista você precisa de obrigar os que não o são?

  15. carlos reis

    Lucklucky, eu estava a brincar, agora a sério, os putos estão é mal habituados, ou seja mal educados.

    Ponham-nos a trabalhar numa daquelas fábricas “socialistas” no Bangladesh, que isso passa. E, lucklucky, vá também, vai ver que aprende mais alguma coisa sobre liberalismo.

    Tenha um bom domingo

    no Bangladesh

  16. lucklucky

    Espero que não esteja a falar do caso recente da fábrica do Bangladesh, mas sim do Bangladesh em geral.

    Como é que julga que a economia cresce carlos reis? Julga que consegue chegar à asséptica fábrica da Intel sem passar pela Revolução industrial?
    Se de repente a energia se tornasse 40x mais cara -imaginemos o fim do petróleo- você julga que os carros continuariam a ter airbag? computador? sensor para isto e para aquilo?
    Inspecções periódicas? As casas teriam a qualidade que hoje têm? julga que as camadas e camadas de regras e regulamentos que hoje existem resistiriam às primeiras fomes?
    O Bangladesh está milhões de vezes melhor que os países que começaram a Revolução Industrial para a mesma escala de desenvolvimento. Há 150 anos atrás não havia energia eléctrica nem aspirina. Em 1960 a esperança de vida no Bangladesh era de menos de 50 anos. Hoje dependendo das estatísticas ou da data perto dos 65 ou 70 anos.

    Essa camada de regras só se manteriam violência extrema do Estado e milhões de mortos. Até hoje só os Comunistas foram capazes de aplicar.

  17. carlos reis

    Obviamente que não me referia só a essa fábrica. Mas, não me quero conformar, que, para que nós tenhamos direito a tudo, até em excesso, tenha que ser à custa de outros seres humanos, trabalhando em condições degradantes. Não, não sou comunista nem socialista.

  18. Dédé

    Olhe, a querida recorre ao Código do Trabalho, despede esses filhos calaceiros, e manda vir novos colaboradores familiares juniores daqueles bangladeshes em que a querida e os amigos estão a transformar este País.

  19. carlos martins

    Lamento informá-la: mas os seus filhos não são Socialistas, são só mal criados. A educação aprende-se em casa, logo…

  20. ESGJardim

    Isto não é socialismo nem sequer qualquer outra doutrina, mas apenas uma grande falta de educação das crianças, que não têm culpa nenhuma de terem sido mal educadas. Quando se tem pais assim que não sabem distinguir a mão direita da mão esquerda, este é o resultado e se não tiverem cuidado os seus filhinhos vão virar marginais, não tarda!

  21. Barbara Almeida

    Inês ! Amiga…de outros tempos…deixa-me dar a minha opinião….O texto está mto bem escrito e original…parabéns :-)….eu tanto sou ateu como apolítica….mas acho q já n é tempo de partidarizar a sociedade…..assim como surgiram, socialmente novos “tipos” de famílias….(se bem q sp existiram…),….toca a escrever sobre como aumentar o conhecimento cientifico da população….sobre desiquilibrio hormonal, e a existencia da natureza da homossexualidade, heterossexualidade, etc , etc, por ex….tu q és das ciências …como eu…Acho imperioso artigos de ciencia-conhecimento! Abrir essas mentalidades com conhecimento!… Beijinhos e um feliz e tranquilo Natal p voces…

  22. maria

    Um texto mesmo a calhar para betinhos. Colégios privados, fedelhos malcriados que fazem dos profs, padeiros e empregadas de criados para todo o serviço. São uns mimados e arrogantes. Socialistas? Devem estar a sonhar.

  23. lucinda ventura

    Também eu tenho Filhos e Netos. Talvez com mais idade pois que, também eu sou mais velha, do que a autora deste “brilhante” texto.
    Para analizar a Sociedade a que pertencemos, não me parece correcto, fazer cair, em cima dos nossos Filhos, os defeitos visíveis à nossa volta. Lamento que, na sua análise, fique clara a defesa partidária, em contraposição ao ataque aos seus Filhos.
    Também eu me sinto frustrada e desiludida muitas vezes, por não ver concretizada e realizada, a Sociedade com os valores porque, toda a minha Vida lutei.
    Sim! È verdade que a realidade do Mundo em que vivemos, não é fácil de aceitar. Porém, parece-me que, a análise da autora do texto em causa, não é uma análise social, mas sim uma análise política, partidária e faxiosa. Lamento profundamente!
    Os valores e defeitos, do Mundo que nos rodeia, merecem uma análise mais correcta e profunda, sobretudo pelo respeito, que nos deve merecer, o Ser Humano.
    As Crianças, colocadas por Deus à nossa responsabilidade, hajem sobretudo pelo que observam. Os Pais são, sem sombra de dúvida, o seu grande exemplo. Lamento portanto, mais uma vez, que o exemplo dado aos seus Filhos, tenha tido as consequências que revela.
    O sentido dos outros, o respeito pelo próximo, a justiça social, são valores que se adquirem no BERÇO. Nunca em partidos políticos, sejam eles quais forem.
    Ver o outro como um igual a quem devemos considerar, respeitar, ajudar e partilhar – não a esmola mas a Vida – é qualquer coisa que existe dentro de nós. Não se compra, não se adquire em qualquer esquina do Tempo, nem será nunca, estandarte, de qualquer partido político. Será sim estandarte de Gente de Bem e de Homens com letra grande, onde quer que eles se encontrem, seja em que partido for.
    Os Partidos têm os valores dos Homens que os suportam e jamais o contrário. Esta é uma grande verdade!
    Nós – educadores – devemos preocupar-nos, em cada momento, em ajudar a surgir HOMENS DE BEM. Homens, que possam tomar nas suas mãos, o rumo do Mundo em que vivemos. Os “bons partidos” surgirão na medida em que esses Homens existirem.
    Amemos os nossos Filhos!
    Pois, o Amor é sem dúvida a grande ponte para um Mundo melhor!

  24. Isabel

    A culpa é nossa. Digam o que disserem, a culpa é nossa. Dos pais em primeira linha. Por muito que se esforcem (e muitas vezes não o fazem), arranjam sempre razões (complexos de culpa vários? Comodismo? Compensar os filhos daquilo que não tiveram quando tinham a idade deles?) para fazer a vontade dos meninos.

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