Salazar

O Carlos aponta um erro no meu artigo pegando numa frase retirada de contexto. Na verdade, o que se refere nesse artigo é que o esforço de Salazar para conseguir excedentes orçamentais, quando chegou a ministro das finanças em 1928, foi feito à custa do empobrecimento do país. Salazar pretendeu que o estado tivesse excedentes orçamentais para atrair investimento estrangeiro, o que não conseguiu por razões várias, muitas delas de índole internacional (estamos em 1928/29, novamente como menciono no artigo). Sem crédito, restaram os excedentes que Salazar quis manter a todo o custo e à custa de um país que não tinha meios para enriquecer, mas pagava esses mesmos excedentes.

Aliás, o quadro que apresenta comprova isso mesmo: um afastamento em relação às economias mais avançadas no final dos anos 20, uma aproximação durante a 2.ª guerra mundial (o que é natural, pois Portugal manteve-se neutral) e uma retracção logo a seguir. A aproximação às economias mais desenvolvidas a que alude, situa-se entre 32-35, principalmente porque os efeitos da depressão foram muito menos acentuados em Portugal que nessas economias utilizadas para comparação com a portuguesa (aliás, a queda no quadro a partir de 35 dever-se-à à recuperação, pelo menos relativamente à quabra sucedida em 29/30, das referidas economias), e na década de 60, principalmente na segunda metade. Trata-se de um desenvolvimento que Salazar tolerou, porque, apesar de o ter adiado ao máximo, não o podia evitar. A guerra do Ultramar, bem como a própria sobrevivência do regime assim o exigiam. Salazar pretendia um país que se bastasse, fosse equilibrado mas não rico e, isso, pressupunha proteccionismo e condicionamento industrial, o que sucedeu até à decada de 60. Sucede que, controlar uma economia nos anos 30/40/50 é uma coisa; fazê-lo nos anos 60, outra completamente diferente.

O artigo no i refere ainda as gerações seguintes que foram prejudicadas. E não foram? Salazar chegou ao governo em 1928. De imediato, apresentou um orçamento equilibrado. Saiu em 1968 (três anos depois do início do salto comparativo constante no quadro que o Carlos nos trouxe). Foram 40 anos. Afirmar que Salazar foi amigo do desenvolvimento económico porque este existiu nos últimos anos da sua governação permite que se conclua o mesmo da democracia porque entre os anos de 85-95 essa mesma aproximação ás economias mais ricas também se deu.

Independentemente da análise que se possa fazer sobre o enriquecimento ou empobrecimento do país o que se pretendeu salientar foi a concepção económica dos dois regimes (Estado Novo e Democracia) a qual assenta no estado como motor económico. Crendo nisso, os dois puseram o país a trabalhar para o estado. Salazar, pretendeu que o país pagasse os excedentes orçamentais; o actual regime que o país sustenta uma dívida. Tudo porque, tanto antes como depois do 25 de Abril, se entende que o estado deve fazer os investimentos económicos vitais, estando a diferença no modo como se arranja o dinheiro.

Para terminar, faço apenas um pequeno reparo: não caio no erro de diabolizar Salazar porque sim. Compreendo bastante bem, o que não é igual a concordar, a sua postura e as razões que o levaram a agir como agiu. Salazar caiu no mesmo erro que o actual regime: pôs o estado à frente do país ou, para sermos mais correctos, das pessoas. Salazar entendeu que apenas o estado podia curar, ou salvar, ou compor, como preferirem, a país. A actual classe política acha que o país não se desenvolve sem um empurrão do estado.

22 pensamentos sobre “Salazar

  1. CN

    “o esforço de Salazar para conseguir excedentes orçamentais, quando chegou a ministro das finanças em 1928, foi feito à custa do empobrecimento do país.”

    Excedentes orçamentais não são feitos à custa do empobrecimento de ninguém. É viver na realidade da pobreza que sempre teve em vez de juntar a tal problema o do endividamento. E servem para pagar dívida ou adquirir reservas, estabilizando e dando credibilidade a moeda.

  2. k.

    Mas ninguém fala do Ceausesco, que pagou praticamente toda a dívida externa da Romenia? Deve ser por isso que eles eram muito ricos!

  3. André, os excendentes no período que apontas foram usados para reduzir a dívida pública de 90% para 20-30% do PIB… Salazar não estava a empobrecer o país, estava a pagar os desvarios do final do século XIX e da parte final da I República.

  4. Aliás, o comentário do k. coloca esse erro de raciocínio em evidência ainda mais claramente. Pagar dívida não é empobrecer. É deixar de viver à custa dos outros. Quem vive de crédito não é rico. Está apenas a enganar-se a si próprio e aos outros.

  5. k.

    “Miguel Botelho Moniz em Março 21, 2014 às 10:07 disse: ”

    Por acaso, não. Estava a ser ironico. A Roménia de facto pagou praticamente toda a sua dívida externa, vendendo “tudo”, e condenando a sua população à pobreza – tenho um colega com a minha idade que se lembra de estudar a luz das velas porque a electricidade ia abaixo, a lá North Korea

  6. Miguel Noronha

    Os níveis de taxação eram incomparavelmente mais baixos do que agora pelo que não vejo grande relação entre o empobrecimento e os saldos positivos. Como refere o MBM tratava-se de pagar a divida pública.

    Para poder realizar os investimentos das décadas de 50/60 (que foram enormes mesmo comparando com os níveis actuais – basta lembra a CUF, a Siderugia, Sines, infraestruturas portuárias) era necessário acumular capital. Leva tempo e não acontece por decreto. Os ditadores (e nos democratas) que o fizeram por via do endividamento levaram os países à ruína.

  7. k.

    “David Calão em Março 21, 2014 às 10:21 disse: ”

    acrescentaria, e em tempos de um “global savings glut” (excesso de poupança).

  8. Miguel Noronha

    Exacto. É fascinante quando descobrimos que o investimento não deu retorno e ficamos com uma dívida enorme por pagar. Ou quando depois nos vimos queixar nos elevados graus de alavancagem, nas falências bancárias, nos “bailouts”, etc.

  9. David, às vezes você perde excelentes oportunidades de não dizer nada…
    Em primeiro lugar, a discussão é sobre o periodo do Estado Novo, quando não havia essa “globalização financeira”, ou pelo menos Portugal não tinha acesso a ela. Segundo, é preciso separar conceptualmente as duas coisas: A tal “globalização financeira” significa apenas que o capital passa a circular sem grandes impedimentos ou fronteiras. No entanto, a poupança antecede sempre o investimento… O que sucede é que por via de crédito o país X acede às poupanças de cidadãos dispersos de um ou mais países estrangeiros. Estes desiquilíbrios não se podem manter ad eternum. Se um país usa o crédito para investir mal (investimentos não produtivos), não consegue pagar aos credores e fica posteriormente barrado a crédito adicional.

  10. David Calão

    Esse argumento equivale a dizer que, para combater as falências, devemos proibir o crédito. A dívida, sendo sobretudo privada, é uma escolha dos agentes. Parece-me um bocado iliberal esse fetiche pela poupança.

  11. “Excedentes orçamentais não são feitos à custa do empobrecimento de ninguém. É viver na realidade da pobreza que sempre teve em vez de juntar a tal problema o do endividamento. E servem para pagar dívida ou adquirir reservas, estabilizando e dando credibilidade a moeda.”

    Completamente de acordo com o comentário do CN.

    Se o peso do estado na economia com Salazar nunca passou dos 15% de que se queixam mesmo os “liberais?”?

  12. David Calão

    Miguel Botelho Moniz,

    De facto, no tempo do Estado Novo fazia sentido olhar para a relação poupança/investimento. Mas quando se enaltece o facto de se “poupar para investir”, está-se a dizer que é assim que devia ser, como nos “good old days”.

    E estando a falar de Portugal, e não da “macroeconomia do mundo”, não percebo o sentido da falha que me aponta. Com o aprofundar da integração financeira, poupança e investimento deixam de estar relacionados, isto é um facto empírico. Não é uma idiossincrasia nacional. E quando falo, falo da realidade de um país, que é o que interessa.

  13. Miguel Noronha

    “Esse argumento equivale a dizer que, para combater as falências, devemos proibir o crédito.”
    Não vejo onde escrevi isso. Mas se é um entusiasta do criação monetária crediticia depois não se queixe das suas consequências.

    “A dívida, sendo sobretudo privada, é uma escolha dos agentes.”
    Nesse caso deixemos de desculpabilizar os agentes pelas suas escolhas e deixemo-los arcar com as consequências. As boas e as más.

    “Parece-me um bocado iliberal esse fetiche pela poupança.”
    Não percebo muito bem a origem dessa sentença. Se não for incómodo podia explicar melhor?

  14. ocni

    não existiu nenhuma retração a seguir à 2ª guerra, o que ocorreu foi a recuperação das economias devastadas pela guerra. Se apagar a 2ª guerra do grafico verá que a linha continua com a tendência anterior, ou seja a europa rapidamente recuperou os niveis que teria alcançado se não tivesse ocorrido 2ª guerra. O salto a meio da década de 60 deveu-se à entrada na EFTA,

    Era óbvio que portugal não poderia aproximar-se dos níveis europeus, em termos educacionais a população portuguesa estava atrasada mais de 50 anos em relação ao resto da europa.

  15. David,

    A poupança antecede sempre o investimento. O facto de haver mais variedade de fontes de crédito (ou capital) não altera esta realidade económica. Não está certo sugerir que não é preciso poupar para investir. A pessoa X pode investir pedindo emprestado a Y. Y teve de poupar. O facto da pessoa que investe não ser a mesma que poupou não muda o princípio.

    O problema que temos é justamente por muita gente não ter percebido esta lógica e ter assumido que de alguma forma as “leis” da economia tinham mudado. Temos aqui duas causas do problema: (1) A ideia de que haveria sempre crédito (pois está separado da poupança) e (2) O não perceber que crédito presente implica poupança futura (Algures no tempo, X terá de devolver o empréstimo a Y, altura em que terá de poupar – idealmente à custa do maior rendimento resultante do investimento ter sido produtivo).

  16. fernandojmferreira

    “A pessoa X pode investir pedindo emprestado a Y. Y teve de poupar”
    Esta e’ a realidade de uma economia solida. Infelizmente, o poder do estado e dos bancos de criar credito “out of thin air”, distorce esta realidade, com as consequencias que estao a vista. Assim sendo, a pessoa X pode investor pedindo dinheiro emprestado ao banco Y, que cria o credito a partir do nada…

  17. Renato

    Fernando

    É como você diz. Ocorre que esse esquema atual é uma ilusão, Dinheiro representa o poder de comando sobre uma certa quantidade de riquezas, coisas do mundo real, da mesma forma como o papel em que está a escritura da sua casa não vale quase nada em si, mas representa a posse de uma coisa que realmente vale. Ao criar dinheiro do nada, governos e bancos estão prometendo a posse de coisas que não existem.
    Aqui no Brasil, as crianças tem uma brincadeira que consiste em correr ao redor de cadeiras, mas há uma pessoa a mais do que o número de cadeiras. A um sinal dado por uma pessoa situada fora, cada um deve sentar numa cadeira, e evidentemente alguém ficará sem cadeira…
    Note que mesmo quando não há inflação de preços, os efeitos da inflação monetária se fazem sentir de alguma forma. Empresas sobrevalorizadas, cuja renda futura jamais justificaria o preço de venda, títulos de dívidas supostamente sólidas, etc, são ilusões de riquezas que não existem. Enganam tanto a ricos quanto a pobres. Os ricos estão fazendo maus investimentos, e não sabem. Os pobres, pensam que terão pensões X no futuro, lastreadas em fundos de pensão que compraram papéis bichados. No momento certo, os espertos se livrarão antes dos outros dos piores ativos, e os mais lentos ficarão de mãos abanando.

    E que é o congelamento de preços senão a ocultação da situação? Não há bens suficientes para serem comprados, e no mercado negro eles custam bem mais. O governo imprime papel, que chegam às mãos da população, mas as riquezas correspondentes não existem.

    O fato do governo (e os bancos, com a conivência do governo) terem enganado as pessoas, não fez com que houvesse mais riquezas reais. É certo que as pessoas agirão de forma diferente com base nesse engano, provavelmente serão mais ousadas, porque quem julga ter mais será menos precavido do que quem sabe ter menos, e dessa forma, essa ilusão tem efeitos sobre a realidade. Mas é razoável supor que a maioria das ações das pessoas terão resultados menos bons do que se elas estivessem vendo corretamente. A crise é apenas a compreensão da realidade.

  18. Renato

    Mas que lição se tira disso que acabei de escrever? Como na dança das cadeiras, os mais rápidos se dão bem. Tomadores de empréstimos são os primeiros a receberem o dinheiro, e se souberem investi-lo com inteligência, podem se sair muito bem. Parte do dinheiro recebido de fora é real, parte é fictício, mas no geral não é o tomador de empréstimos que ficará sem cadeira. Isto é, se for sensato. Empresas e particulares podem tomar empréstimos para fazerem investimentos lucrativos, e o país todo ganhará. Mas governantes não. Governantes são irresponsáveis por natureza. Juros baixos e fartura de crédito, que podem ser uma benção para os outros agentes econômicos, para os governantes serão mais oportunidade de fazer lambança e ferrar com o país. E empresários “amigos do governo” também são um perigo, porque sabem que serão socorridos, e portanto serão tão irresponsáveis quanto os governantes.

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